"Quando o amor morrer dentro de ti,
caminha para o alto onde haja espaço,
e com o silêncio outrora pressentido
molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
e neles ateia o fogo adormecido
que uma vez,
sonho de amor,
teu peito ferido
espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
e o nocturno calor que se debruça
sobre as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
que mil saudosas lágrimas velaram;
desfralda na tua alma o inventário
do templo onde a vida ora de bruços
a Deus e aos sonhos que gelaram.
(Ruy Cinatti 1915 - 1986, in "Poemas de Amor - antologia de poesia portuguesa", Inês Pedrosa)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
7 comentários:
Quando o amor morrer dentro de ti é mais fácil dizer que tu morreste dentro do amor.O amor nunca morre,ás vezes adormece.Outras vezes mergulha no momentâneo coma,mas é um sentimento tão sublime,que não merece eutanásia,mas outrossim,uma salvifica distanásia.Renasce no olhar,revive no toque,exorbita no beijo,extravasa na fusão dos corpos e na comunhão dos afectos...
Cara(o) Anónimo
A morte, reconheço, é o principio de uma série de processos de vida de outros seres e assim sendo transformar-me-ei e renascerei no dia em que o amor morrer dentro de mim. O amor, o verdadeiro amor, é sublime como dizes, ás vezes tão sublime e como tal frágil, que não se sustém sozinho. Muitas vezes para se poder viver com qualidade é necessário matar o amor, ou pelo menos dar-lhe uma pancada tal que o deixemos em coma, o tempo suficiente para recuperarmos forças e abrir-mos os braços, erguermos as pernas e deixar a derme e epiderme soltar a pele velha, mudar de rumo, mudar de cheiro, mudar de afectos.
Poderíamos falar de tantos tipos de amor, de afectos, de sentimentos, de sentidos, mas a verdade é que gostar de alguém, genuinamente de alguém, sem qualquer racionalização a respeito, é o amor em si. Os corpos, os nomes que damos a estas manifestações só servem de figuras de estilo.
Lamento já não ter essa sua esperança libertadora, mas o romantismo bacoco de Mary Poppins já se fez á vida há algum tempo, há tanto tempo quanto se enterra o “amor” e se recupera o “juntar sentimentos”.
Obrigada pela visita e pela opinião.
Bem Vindo.
A tua opinião sobre a não sustentabilidade do amor sem reciprocidade,é tendencialmente consensual,isto é,concordo com ela,mas,desculpa-me a ousadia,confundes o mensageiro com a mensagem,o sentimento em abstracto,com o especifico,ou seja,o alvo do amor.Se o sentimento é,como reconheces,sublime,porque contestas o amor e não "esse" amor?
O amor,para mim é o unico amor que não tem,nem deve ter medida,é o sentimento dos sentimentos,é o unico sentimento holistico,em que o todo definidor,é superior á soma das partes que o constituem.
Creio que ressalta das tuas palavras,desculpa a sinceridade,uma ressaca ainda não ultrapassada,quase uma desilusão dos afectos,que,espero conjunturalmente,te dão uma visão nocturna e sem luar retemperador,do mais belo sentimento do universo-o amor-que altera o mundo,o alimenta e faz viver!
Obrigado pelas boas vindas,eu é que agradeço,uma polémica inteligente é sempre salutar.
P.s.-"o"anonimo,ou se preferires,o stranger.
Caro anónimo,
O amor, em abstracto, como dizes, sem alvo definido, em que o todo é maior que a soma das partes não é contestado por estes lados. Assume-se de diversas formas, com diferentes modos e variadas intensidades. Efectivamente, concordo com a tua opinião, a respeito do mesmo, apenas considero que o amor é um fio de tempo contínuo, como se de um longo e infinito percurso de comboio no qual se entra e saí em diversas paragens e onde umas vezes a viagem é mais bonita que outras. O amor é a viagem e não o destino em si, pelo que o alvo do amor, ou do afecto é um pequeno pormenor em todo este assunto.É apenas uma questão de partilha momentanea de carruagem.
Assim sendo, assumo a dita "ressaca" que menciona, o que é de facto visível em muitas das coisas escritas neste blog. Não é a primeira vez e também sei que não será a última, mas cada última vez encerra em si a perda de mais uma pequena caracteristica ou capacidade de fazer os sentimentos multiplicar, pelo que se vai reiventando os afectos.
Revejo o amor em tantas coisas e de tantas maneiras, que me permito escolher a forma do meu: pelos meus filhos, incondicional e permanente; pelos amigos verdadeiros, aberto, genuino e sem julgamentos; pela vida, aos pedaços coloridos, pelos ex-amores, picotado em ternuras momentâneas vestidas de memórias.
Contudo, por aqui, aguarda-se sempre com expectativa a próxima paragem em qualquer paisagem de amor.
Uma noite tranquila,
Concordo que o amor é a viagem e não o destino,mas para mim,o destino é que faz a viagem e não o contrario.Nunca o destino nos pode inibir de viagar.Para mim,se o meu amor estivesse em Bagdad e se para o ver tivesse de desfilar numa mesquita embrulhado na stars and stripes,não hesitaria um átomo,ignorando tudo,porque para mim tudo é cenário!Tambem estou em ressaca,mas pronto a ignorar os ditames hepáticos e mergulhar na ambrosia da vida,leia-se o amor!Qualquer ressaca serve para exorcizar os fantasmas,banir os traumas e,sobretudo,começar o sonho,como se nunca tivessemos sonhado.As feridas cicatrizam mais facilmente quando nos preparamos para amar.
Acredito que,mesmo entre ruinas é possivel sonhar,porque é mais fácil construir algo de muito belo,com a terraplanagem da experiencia e a voragem do tempo.
Caro anónimo,
Já diz o ditado de que boas intenções está o inferno cheio, mas parece-me que de manifestações grandiosas e megalónomas de amor, estão as mulheres fartas. Parece-me que o seu amor em Bagdad, não acharia grande graça ao arriscar da sua pele e pro vavelmente o que lhe esperava era um belo sermão.
A maioria das vezes, o que faz falta para mostrar ou demonstrar o amor, são pequenos detalhes, não é carregá-la constantemente ao colo para não molhar os pés, seria mais comprar-lhe umas botas de água para que ela o possa acompanhar lado a lado.
Quanto á terraplanagem dos afectos passados não podia estar mais de acordo. Há que, contudo, limpar mesmo as ruínas para que o início do sonho possa ter uma página limpa, para colorir.
Mais uma vez obrigada pela visita.
Vamos dar uma cronologia retórica.Primeiro,não acredito que as mulheres estejam fartas de manifestações grandiosas e megalomanas de amor.Será que não estás a transpor a tua vivencia como argumentario?Para mim a racionalidade quando é vertida nas relações é um eucalipto.Primeiro apaga a paixão e depois tende a subverter o amor,pela contenção castradora dos gestos,causando a erosão voraz dos sentimentos,sobrevivendo uma chama mirrada,tosca e fosca imagem de um amor.O amor constroi-se pelo pequeno gesto,no silencio dos dias,mas tambem por gestos grandiosos,desafiando a turba e/ou ignorando a morte.Finalmente quanto á terraplanagem,acordo quase absoluto.Só acho que quando construimos algo,não nos devemos lembrar,mas não podemos esquecer a arquitectura anterior,porque se soubermos onde a estructura falhou,podemos reforçar os caboucos.
Enviar um comentário