quarta-feira, novembro 03, 2004

Reaprender a errar

Caminhava, sem sentir os pés, sem sentir o chão, numa calçada que a levava para lá do que era, do que foi e do que queria ser.Não olhou para trás. Não se permitiu tentar perceber, acreditar. E caminhou. Aquelas palavras ecoavam por um cabeça há muito transformada em caldeirão mágico, que entre feitiços e poções lhe vai dando força para continuar. Maria sentia-se viva. Tão viva que ainda que morresse não a poderiam agarrar.Compilava tudo o que se passou no último mês. Arrumou o passado na prateleira. As estórias da nossa vida, os personagens, os medos e a as dores são como livros, que mantemos á cabeceira da cama por muitos anos, até que uma nova história nos agarra, nos resgata os sentidos, e nos permite arrumar um livro acabado.
Sentia-se zangada com a vida. Mas de tal forma zangada, que se sentia feliz. Feliz por sair de um marasmo de espírito que fez cada dia ser igual ao anterior, que deitou por terra ideias, lutas, pensamentos e a transformou naquilo que foi importante para o mundo de algúem. Nunca gostou de lutas fáceis, de pessoas transparentes, de sitios clean.
Valparaíso recuperou a sua visão. Abriu-lhe os olhos tal Cindarela num coma induzido. Aquela decadência de uma cidade parada no tempo, em que apenas a alma tem asas e voam e naufragam todos os sentidos, sem que alguma vez se deixe por dizer ou fazer a vida.
O sono não vinha, e ela mais uma vez veste a pele de menina mal comportada e prepara-se para sair. A rua é uma cama grande e quente onde descança o coração. O barulho dos carros, os movimentos dos corpos, os cheiros dos outros. A confusão. As palavras de quem passa e a leva de arrasto presa a emoções que não são suas. A chuva. Sempre a chuva.
Tinha uma missão a cumprir. Permitir secar a roupa da alma de alguém que escorre olhos fora. Curiosa a forma como a vida põe as pessoas em nós. Pensava na sua amiga, na tristeza tocava uma voz que sempre lhe parecera brilhante., mas que desconfiava esconder o mapa de um qualquer local do crime. De um crime que tantas vezes se comete. O de esconder a dor detrás de armaduras fashion, de fantasias loucas, de camas diversas.

Maria nunca teve muitas amigas. Dizia ela que a sua visão masculina e até certo ponto machista, despertava em muitas mulheres uma bissexualidade latente, de quem gostaria de experimentar a realidade nuns olhos mais abertos.


( Pedimos desculpa pela interrupção a emissão segue dentro de momentos)