sexta-feira, março 21, 2008

Quando o amor morrer dentro de ti

"Quando o amor morrer dentro de ti,
caminha para o alto onde haja espaço,
e com o silêncio outrora pressentido
molda em duas colunas os teus braços.
Relembra a confusão dos pensamentos,
e neles ateia o fogo adormecido
que uma vez,
sonho de amor,
teu peito ferido
espalhou generoso aos quatro ventos.
Aos que passarem dá-lhes o abrigo
e o nocturno calor que se debruça
sobre as faces brilhantes de soluços.
E se ninguém vier, ergue o sudário
que mil saudosas lágrimas velaram;
desfralda na tua alma o inventário
do templo onde a vida ora de bruços
a Deus e aos sonhos que gelaram.

(Ruy Cinatti 1915 - 1986, in "Poemas de Amor - antologia de poesia portuguesa", Inês Pedrosa)

7 comentários:

Anónimo disse...

Quando o amor morrer dentro de ti é mais fácil dizer que tu morreste dentro do amor.O amor nunca morre,ás vezes adormece.Outras vezes mergulha no momentâneo coma,mas é um sentimento tão sublime,que não merece eutanásia,mas outrossim,uma salvifica distanásia.Renasce no olhar,revive no toque,exorbita no beijo,extravasa na fusão dos corpos e na comunhão dos afectos...

Camaleão Vaidoso disse...

Cara(o) Anónimo


A morte, reconheço, é o principio de uma série de processos de vida de outros seres e assim sendo transformar-me-ei e renascerei no dia em que o amor morrer dentro de mim. O amor, o verdadeiro amor, é sublime como dizes, ás vezes tão sublime e como tal frágil, que não se sustém sozinho. Muitas vezes para se poder viver com qualidade é necessário matar o amor, ou pelo menos dar-lhe uma pancada tal que o deixemos em coma, o tempo suficiente para recuperarmos forças e abrir-mos os braços, erguermos as pernas e deixar a derme e epiderme soltar a pele velha, mudar de rumo, mudar de cheiro, mudar de afectos.
Poderíamos falar de tantos tipos de amor, de afectos, de sentimentos, de sentidos, mas a verdade é que gostar de alguém, genuinamente de alguém, sem qualquer racionalização a respeito, é o amor em si. Os corpos, os nomes que damos a estas manifestações só servem de figuras de estilo.

Lamento já não ter essa sua esperança libertadora, mas o romantismo bacoco de Mary Poppins já se fez á vida há algum tempo, há tanto tempo quanto se enterra o “amor” e se recupera o “juntar sentimentos”.

Obrigada pela visita e pela opinião.
Bem Vindo.

Anónimo disse...

A tua opinião sobre a não sustentabilidade do amor sem reciprocidade,é tendencialmente consensual,isto é,concordo com ela,mas,desculpa-me a ousadia,confundes o mensageiro com a mensagem,o sentimento em abstracto,com o especifico,ou seja,o alvo do amor.Se o sentimento é,como reconheces,sublime,porque contestas o amor e não "esse" amor?
O amor,para mim é o unico amor que não tem,nem deve ter medida,é o sentimento dos sentimentos,é o unico sentimento holistico,em que o todo definidor,é superior á soma das partes que o constituem.
Creio que ressalta das tuas palavras,desculpa a sinceridade,uma ressaca ainda não ultrapassada,quase uma desilusão dos afectos,que,espero conjunturalmente,te dão uma visão nocturna e sem luar retemperador,do mais belo sentimento do universo-o amor-que altera o mundo,o alimenta e faz viver!
Obrigado pelas boas vindas,eu é que agradeço,uma polémica inteligente é sempre salutar.
P.s.-"o"anonimo,ou se preferires,o stranger.

Camaleão Vaidoso disse...

Caro anónimo,

O amor, em abstracto, como dizes, sem alvo definido, em que o todo é maior que a soma das partes não é contestado por estes lados. Assume-se de diversas formas, com diferentes modos e variadas intensidades. Efectivamente, concordo com a tua opinião, a respeito do mesmo, apenas considero que o amor é um fio de tempo contínuo, como se de um longo e infinito percurso de comboio no qual se entra e saí em diversas paragens e onde umas vezes a viagem é mais bonita que outras. O amor é a viagem e não o destino em si, pelo que o alvo do amor, ou do afecto é um pequeno pormenor em todo este assunto.É apenas uma questão de partilha momentanea de carruagem.
Assim sendo, assumo a dita "ressaca" que menciona, o que é de facto visível em muitas das coisas escritas neste blog. Não é a primeira vez e também sei que não será a última, mas cada última vez encerra em si a perda de mais uma pequena caracteristica ou capacidade de fazer os sentimentos multiplicar, pelo que se vai reiventando os afectos.
Revejo o amor em tantas coisas e de tantas maneiras, que me permito escolher a forma do meu: pelos meus filhos, incondicional e permanente; pelos amigos verdadeiros, aberto, genuino e sem julgamentos; pela vida, aos pedaços coloridos, pelos ex-amores, picotado em ternuras momentâneas vestidas de memórias.

Contudo, por aqui, aguarda-se sempre com expectativa a próxima paragem em qualquer paisagem de amor.

Uma noite tranquila,

Anónimo disse...

Concordo que o amor é a viagem e não o destino,mas para mim,o destino é que faz a viagem e não o contrario.Nunca o destino nos pode inibir de viagar.Para mim,se o meu amor estivesse em Bagdad e se para o ver tivesse de desfilar numa mesquita embrulhado na stars and stripes,não hesitaria um átomo,ignorando tudo,porque para mim tudo é cenário!Tambem estou em ressaca,mas pronto a ignorar os ditames hepáticos e mergulhar na ambrosia da vida,leia-se o amor!Qualquer ressaca serve para exorcizar os fantasmas,banir os traumas e,sobretudo,começar o sonho,como se nunca tivessemos sonhado.As feridas cicatrizam mais facilmente quando nos preparamos para amar.
Acredito que,mesmo entre ruinas é possivel sonhar,porque é mais fácil construir algo de muito belo,com a terraplanagem da experiencia e a voragem do tempo.

Camaleão Vaidoso disse...

Caro anónimo,

Já diz o ditado de que boas intenções está o inferno cheio, mas parece-me que de manifestações grandiosas e megalónomas de amor, estão as mulheres fartas. Parece-me que o seu amor em Bagdad, não acharia grande graça ao arriscar da sua pele e pro vavelmente o que lhe esperava era um belo sermão.
A maioria das vezes, o que faz falta para mostrar ou demonstrar o amor, são pequenos detalhes, não é carregá-la constantemente ao colo para não molhar os pés, seria mais comprar-lhe umas botas de água para que ela o possa acompanhar lado a lado.
Quanto á terraplanagem dos afectos passados não podia estar mais de acordo. Há que, contudo, limpar mesmo as ruínas para que o início do sonho possa ter uma página limpa, para colorir.

Mais uma vez obrigada pela visita.

Anónimo disse...

Vamos dar uma cronologia retórica.Primeiro,não acredito que as mulheres estejam fartas de manifestações grandiosas e megalomanas de amor.Será que não estás a transpor a tua vivencia como argumentario?Para mim a racionalidade quando é vertida nas relações é um eucalipto.Primeiro apaga a paixão e depois tende a subverter o amor,pela contenção castradora dos gestos,causando a erosão voraz dos sentimentos,sobrevivendo uma chama mirrada,tosca e fosca imagem de um amor.O amor constroi-se pelo pequeno gesto,no silencio dos dias,mas tambem por gestos grandiosos,desafiando a turba e/ou ignorando a morte.Finalmente quanto á terraplanagem,acordo quase absoluto.Só acho que quando construimos algo,não nos devemos lembrar,mas não podemos esquecer a arquitectura anterior,porque se soubermos onde a estructura falhou,podemos reforçar os caboucos.