Estava particularmente calada. Preocupantemente em silêncio. Olhava a linha do horizonte, ou a luz do pôr-do-sol, ou as velhas antenas do casario. Não faço ideia e isso preocupa-me. Veio calada, muda diria, todo o caminho até aqui. Tenho a sensação de falar para o boneco, um boneco que me intimida com o seu silêncio.
- Como te sentes?
Hesita por momentos, como se da sua resposta dependessem vidas. Como se as procurasse com cuidado no fundo da sua mala sempre desarrumada. Remexe-se na cadeira, respira. Abre a boca de mansinho mas cala.
- Exausta. Vazia. Tranquila. Arrumadinha como o quarto no momento seguinte á passagem do serviço de quartos. Esfomeada. Estou capaz de comer um boi.
Não consigo evitar rir ás gargalhadas. Daquelas cheias, a abarrotar de satisfação.
- Definitivamente estás diferente.
- Parece que me livrei das pedras que tinha entaladas na garganta e que impediam a passagem do susbstracto do corpo, da reles comidinha, do prazer. Sinto-me tão leve que preciso de comida para servir de lastro.
Sorria com vontade, enquanto virava o rosto e depositava o olhar no jovem sentado na mesa ao lado. Como se o visse pela primeira vez e gostasse do que os seus olhos lhe mostravam.
- Convido-te para jantar. Há que celebrar essa fome toda com algo substancial.
- De acordo. Mas escolhes tu. Aviso que estou com um apetite voraz.
Continuou calada toda a viagem. Não mudou a estação de rádio. Não se queixou do frio. Não reclamou do facto de não poder fumar..