A nossa família de Patos Galinha.
quarta-feira, julho 30, 2008
"Não saberei nunca
dizer adeus.
Afinal,
só os mortos sabem morrer.
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser.
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo.
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos.
Agora
não resta de mimo que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca.
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo."
Mia Couto
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segunda-feira, julho 28, 2008
CARTA (ESBOÇO)
"Lembro-me agora que tenho de marcar um
"Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto,sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer.
Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até,um lugar sem nada de especial,como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,o último estertor do dia antes de nos despedirmos,quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que,afinal, não conseguimos dizer.Éque o amor nem sempre é uma palavra de uso,aquela que permite a passagem á comunicação
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,de súbito, o sentido da despedida,e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atras de si o próprio
ser,como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo.
Então, é natural que voltes atras e
me peças:"Vem comigo!", e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia,que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caiem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas.No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e,por
trás disso, de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu,do mar,da terra,e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul,de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros."
Nuno Júdice
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