terça-feira, março 18, 2008

Dou a mão à palmatória...mas não batas muito.

"É meu!


"De entre todos os sentimentos que existem, o pior de todos é – e peço já desculpa aos outros – o sentimento de posse.
As pessoas gostam de ter, de dizer que é meu e de preferência pagarem a pronto. Portugal não gosta de alugar. Se tiver dinheiro, o português compra, mesmo que para isso tenha que fazer mais um esforço para pagar um empréstimo a 30 anos e no fim dizer que: "É meu!".
Recebe-se alguém em casa, vai-se mostrando as divisões e a primeira pergunta que nos fazem é: "Mas isto é teu?" E com a tristeza de um pescador que vem do mar sem nada na rede, encolhemos os ombros e dizemos: "Antes fosse, mas não. É alugada!".

Os portugueses gostam de dizer "É meu!" e quem alugar ou comprar a leasing - um carro por exemplo - é olhado com desconfiança e até, deixem cá ver, menosprezo.
A vizinha do lado comenta com a outra no parapeito da varanda:
"Já viu o carro novo do vizinho da frente que chegou esta semana? e mesmo que não o saiba, esta, de forma viperina vai dizendo: "Pois, pois, deve ter sido comprado a leasing. E assim também eu!" Como se a leasing fosse batota.
De resto, ao mínimo sinal de rápida ascensão financeira, é incontornável que o empresário que teve sorte com o negócio que criou e que à custa disso já comprou uma vivenda e mudou de carro duas vezes este ano, está - pois com certeza! - "Está mas é metido na droga!". A casa dele tem piscina! - Isso é droga! – Comprou agora um barco! – Droga é o que é! – Foi de férias com a família para os Alpes! – Não tenha dúvidas que é droga!

Por isso, se isto neste plano é assim, imaginem quando o sentimento de posse se alastra ao foro sentimental. É pior ainda. Com uma vantagem. Se rapidamente conquistarmos alguém ou dermos mostras de que temos cada vez mais casos bem-sucedidos "aquele ali anda sempre com mulheres bonitas!" serão poucos aqueles que dirão, que "andamos metidos na droga". E isso é bom. Se bem que para mim, se eu andasse metido com a Charlize Theron, bem que me podiam chamar o " Pablo Escobar de Campolide" que eu não me importaria. Mas adiante.

O sentimento de posse manifesta-se quando acabamos uma relação – reparem que fomos até nós que o fizemos – e passado uns tempos, quando a vemos com outro, não sei porquê, mas ficamos com um formigueiro nos pés que deus me livre. Na verdade, aqui entre nós – e agora baixe o jornal que esse senhor do lado está a ler isto – o que nos agradaria, era ver aquela palerma que nós deixámos – nós, ouviram bem? - aos rebolões pela rua, moribunda, chorando pelos cantos a clamar o nosso regresso. E o que é que acontece? Exactamente o contrário. Está tão melhor do que nunca que até parece que lhe demos saúde. E demos.
E assim, quando alguém nos diz :" olha, ontem encontrei a tua ex-namorada ás compras no chiado?, à nossa imediata pergunta de " Como é que ela está?" nada melhor do que nos responderem:" Tão diferente que não imaginas. Mais gordita, mal tratada, uma sombra daquilo que era no teu tempo! E por mais que nos custe reconhecer – e custa - ficamos contentes ao ouvir isto como se disséssemos "Safei-me de um bom estafermo!".

O sentimento de posse é isto. É mau. Mete vergonha. Devia ser banido, mas existe. Mas ao contrário do que acontecia até aqui – e isto é pior ainda - poucos são aqueles que ao saberem-no, dizem : "É meu!"


Fernando Alvim

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