Sempre olhei de soslaio todas as pessoas ou melhor pais, que de armadura em riste forrada de conceitos apreendidos de livros de pedospsiquatria, psicologia infantil, peuricultura e afins, se sentiam capazes de dar profundos conselhos a qualquer outro pai que, um pouco envergonhado levava as mãos à cabeça e admitia não saber o que fazer com o seu rebento.
Uma vez mais, a vida encarrega-se de me colocar em linha e percorrer caminhos literários idênticos, na busca do derradeira receita para fazer do meu filho, de novo, uma criança feliz.
E assim lá vai ela para a FNAC todas as semanas ler e reler tudo o que se publica sobre formas de lidar com a depressão infantil, o bullying, a neura, o desalento, o desamparo (de ambos), de tal forma que já tenho o direito de ouvir comentários graciosos ao jeito de "estás a tentar transformar-te na Marta Stewart da maternidade'"?.
Não. Apenas procuro a felicidade dele, ou pelo menos um tapete almofado que lhe ampare a queda, já que eu, por defeito, também não acredito nela.
Neste percurso de psicologia de trazer por casa, e ao longo das várias consultas do CADIN, que se amortizam semanalmente ano a ano, tenho encontrado textos muito bonitos, esclarecedores e até apaziuguadores de algumas mágoas pessoais, que vão muito além da minha faceta de mãe, nomeadamente do escritor Eduardo Sá, que publicarei aqui, sempre que façam sentido como encaixe das várias conversas tidas com aquele que sendo apenas uma infima parte de mim, é sem dúvida a melhor.
A propósito das falsas promessas, da amizade que se oferece em saldo e rapidamente se esgota, do "gosto muito de ti e nunca te vou esquecer", do fraca consolação do "és muito especial", aqui fica um pequeno texto do autor:
"Há pessoas que põem palavras nos nossos sentimentos. Parecem-se com os poetas. Mas depois, de surpresa, abandonam os nossos sonhos pé ante pé ou de “pantufas”. Não sei... Na verdade, decepcionam-nos (devagarinho) e, quando damos por isso, apagam-se dentro de nós. Deixam de ser preciosas e, por tudo o que valeram, não podem voltar a ser só (!) nossas amigas. Partem para uma “terra de ninguém”, muito distante do sítio onde vivem os génios da lâmpada, o Pai Natal, as fadas e os duendes. E por lá ficam. Mais ou menos errantes.
Imagino esse lugar, onde se acotovelam tantas pessoas que nos disseram tanto, como um Purgatório, com a particularidade de lá não se ser promovido, com facilidade, até ao Céu. É verdade que essas pessoas não se transformam num inferno dentro de nós, embora, por vezes, surjam, ora como um vulto ora como uma silhueta ou, até mesmo, como uma estrela cadente que, atravessando o nosso coração, já não provoca um arrepio (muito menos, um calafrio, que são aqueles sentimentos impetuosos que nos desabotoam a cabeça e nos deixam a arder de paixão e a tremer de medo, ao mesmo tempo).
Afinal, não são nem amigos nem amores. Transformam-se num museu? Numa arqueologia de todos os amores, por exemplo? Às vezes, nem isso. Infelizmente. Se fosse assim, estáticas, empoeirados, seguravam-se no nosso coração. O que não acontece às pessoas que foram perdendo a magia...
Este “não sei onde” é uma espécie de cemitério de poetas dentro de nós. Um lugar de silêncio que convida a espreitar para o que sentimos. Com surpresa e com dor, ao descobrirmos que, ao contrário do que sempre desejámos, há relações – luminosas - que foram morrendo para nós. Às vezes assusta. Afinal, não é simpático descobrirmos que mora em nós alguém que, não sendo o Capitão Gancho, tenha ajudado a morrer quem trouxe poesia, ou luz, ou um insustentável rebuliço ao que sentimos... Às vezes, atormenta. Porque magoa descobrirmos que – mesmo quando nos imaginamos a dar a sala mais espaçosa do nosso coração - também nós, dentro de algumas, vivemos sem viver, errantes, nesse “não sei onde” de alguém, entre os seus amigos e os seus amores. Às vezes ainda, somos tocados pelos galanteios da vida e, levados pelo entusiasmo, imaginamos que, se desejarmos com muita força, algumas das pessoas que guardamos no nosso cemitério de poetas ressuscitam e regressam, cheias de luz, para surpresa do Pai Natal ou das fadas. Eu sei que também entre as pessoas há quem pareça mágico mas intocável. Como eles. Mas: esse é o cais de embarque que, de surpresa, nos pode levar (sem volta) para o cemitério dos poetas."
[Eduardo Sá]