Dolce vita
Ele já tinha reparado nela.Partilhavam uma zona de alimentação de um centro comercial.Tinha-lhe admirado a escultura perfeita do corpo e o olhar onde cabia o mundo.Estava sempre acompanhada,passando os fins de tarde a estudar e a tomar notas.Um dia,com a colega ausente,por inexplicável magia ficaram de cadeiras coladas.Ela levantou-se,pedindo-lhe com doçura para zelar dos livros e do portátil,enquanto ia á casa de banho,concluindo com um sorriso terno e com a promessa de breve regresso.
Ele esperou,mirando e remirando os livros.Ela voltou com o sorriso a incendiar-lhe a alma,agradeceu e começaram a falar.A propósito de nada,falaram de tudo.
Era estudante de medicina,faltando-lhe dois anos para terminar o curso,sendo natural de uma cidade minhota.
As horas passaram rápido e a esse dia outros se sucederam,com raras intermitências,provocadas pela incomoda,mas involuntária presença da colega.Uma esdrúxula magia instalou-se e sedimentou-se.Trocavam sorrisos e risos,ouviam-se,confidenciavam estados de alma,mergulhavam nos caboucos das suas vidas.
Provaram o fast-food,enquanto ela perorava sobre os malefícios daquele,demonizando-o e tragando-o,misturando sentenças médicas,com nacos de bom humor.E ria,ria muito.
Um dia,quando já tinham partilhado longas horas de conversa e aferido os sentimentos na distancia de um fim de semana,ele convidou-a para um jantar formal,longe do lugar onde tudo desabrochara.Ela desenhou um sorriso atento e pela primeira vez,sem responder ao convite,olhou para o dedo anelar da mão direita dele,onde repousava uma alva aliança,questionando o significado de tudo aquilo.
Ele explicou tudo,com tocante sinceridade e absoluta veracidade.Desnudou a alma,assumindo que não conseguia despir aquele objecto metálico,frio na forma,mas escaldante de conteúdo,porque prenhe de memorias e sentimentos vivos.Falou-lhe do tempo e do que por ela sentia.Ela ouviu e sorrindo sempre,disse que ia pensar em tudo.Despediram-se com um beijo meigo,marcando encontro para o dia seguinte.
Ele esperou.Ela não estava.Ele esperou muito.Ela não veio.
À noite,na hora do lobo,o telemóvel tocou.Era ela.Pediu desculpa pela ausência.Por momentos,aquela voz que ele tanto gostava,voltava a fulgurar a noite,dilacerando-lhe a tristeza.
Disse que tinha reflectido muito e que concluiu ser melhor não se verem mais,porque não queria sofrer,que não gostava de esperar.Ele argumentou,rebateu,propôs um encontro esclarecedor,definindo barreiras e pedindo-lhe tempo.Ela não aceitou a proposta,porque dizia que temia envolver-se mais e mais.Deixou em aberto a questão do tempo.
Ele voltou ao centro comercial,mas ela não mais voltou.O mundo tornou-se mais desinteressante e o colorido do centro comercial tornou-se plumbeo cerrado.
Um dia ele espera chegar e vê-la rodeada de livros,sorrindo para ele,com aquele sorriso que lhe mima a alma,com aqueles olhos onde cabe o mundo,com o langor melifluo do cio.
Ele sente a falta dela.Eu sinto a falta dela.
Superpoderes
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