quinta-feira, abril 03, 2008

As amantes da vida ou o Regresso da Amante

Nota Introdutória: é verdade. Confesso. Ando mesmo muito nostálgica. Principalmente de uma série de coisas boas que faziam parte do nosso quatidiano e que justificavam tantas vezes longos serões á mesa, com um belo vinho e muita cigarrada. Hoje, depois de me terem tirado os vinhos e me obrigarem a abandonar o fumo dos meus cigarrinhos, que tanto prazer me dava, não sei se me continuaria a saber tão bem a leitura desta revista.
Hoje tenho saudades ( sim...estas permitidas e não completamente tontas) da pessoa que me impedem de ser. Daqui a uns tempos, quando não for mais do que uma especialista em verduras e tofus, talvez apenas digam a meu respeito...ela não bebe, não fuma,não fo.......... (ge) ás responsabilidades! Que gira que era no tempo da Kapa.

Roubado de : http://kapa.blogspot.com/


"Estávamos todos sossegados a usufruir os direitos da liberdade sexual quando apareceu a SIDA para pôr termo à nossa condição. Reagimos mal e não ligámos nenhuma. Agora, que nos apercebemos de que o caso é sério e grave, demos a volta ao contrário e recuperamos um hábito ancestral: a amante. Ter uma amante. Que prazer renovado, esse…
"Il y a des femmes qui que leur bon naturel et la sincérité de leur cœur empêchent d'avoir deux amants à la fois. "
Alfred de Musset, La Confession d'un enfant du siècle


O pânico causado pelo aparecimento da SIDA inflacionou os salários dos afortunados investigadores, dignificou o preservativo e fez renascer das cinzas dos promíscuos anos sessenta os prazeres da conjugalidade. Não há nada como o medo para pôr as pessoas no seu lugar.
Contudo, poucos são os matrimónios em que, com o passar dos anos, um ou dois cônjuges não tenham dado pelo menos uma escapadela, vivido um caso, arranjado um caldinho, dado uma voltinha e até - aqui chegamos ao que interessa - tido uma amante à moda clássica. A SIDA terá assustado muitos, mas felizmente ainda há mulheres e homens que não arredam pé dos seus desejos.
Ter uma amante é não só manter o respeito pelos laços matrimoniais como também a maneira de não se deixar a si próprio na prateleira. Dito de outro modo, não é o pecado da infidelidade que predomina, mas a renarcisação, na forma mais completa, que é voltar a começar com alguém o que ainda não se acabou com quem tudo tinha começado.
Só quem não quer perder quem tem é que vive com naturalidade a vida dupla que ter uma amante requer. Conservar quem se ame sem abdicar de poder amar mais.
Sem fazer pouco das juras de fidelidade, acontece que as razões que nos levam a desejar, gostar ou amar alguém além daquela a quem jurámos amor eterno, não são as mesmas que nos levam a mentir ou trair.
Esconder uma relação da outra não é o que dá prazer. É o preço para poder tudo guardar.
Desejar, querer ou amar outra não significa necessariamente deixar de desejar, querer ou amar a nossa. Esta espécie de «quero tudo» (difícil de explicar e de ser compreendido pelas mulheres) é que provoca a perversão do engano. Infelizmente, para nós parece que não tem solução.
Há sempre alguém que nos pede uma mentira para a sua felicidade e a nossa culpabilidade.
Esconder um caso ou o facto de ter dado uma voltinha não é tarefa particularmente difícil. Só é preciso ser rápido na sedução e não se deixar afeiçoar ao novo conhecimento. Qualquer libertino sabe isso.
Manter uma relação paralela é uma coisa completamente distinta. São necessárias algumas qualidades (ou defeitos, depende do ponto de vista), além de um sentido de responsabilidade particular.
Não achamos, como muita gente acha, que a qualidade principal seja a capacidade de mentir. Ter sinceramente duas mulheres que amamos e dividirmo-nos com dedicação não é coisa que se faça com base na mentira, é necessário carinho, dedicação e muitíssima atenção. Ser capaz de mentir só é útil nos casos, cada vez menos frequentes, em que ninguém sabe nada de nada. Aliás, sempre foram poucas as situações em que ninguém sabe nada de nada. Difícil em Portugal, impossível em Lisboa ou Porto, impensável em Braga ou Cascais.
É possível que a mulher legítima - por interesses pessoais, compreensão ou simplesmente amor - aceite a situação triangular sem levantar a perdiz e que apenas peça discrição. Mas é raro.
O lado maçador da infidelidade é a importância que a enganada (deixemos pelo momento a tradicional pouca capacidade de encaixe masculina, e continuemos a falar de um só ponto de vista) pode dar a esse facto.
Mas aqui tocamos o centro do problema.
Poder-se-á amar duas mulheres simultaneamente ou, mesmo sem querer, estaremos a ser uns grandes filhos das nossas santas mãezinhas?
Isto é um falso problema, quando pelo menos uma sabe a verdade. Normalmente estamos obrigados a contar a verdade à mulher que menos amamos ou que chega em último lugar.
Diga-se de passagem que nunca se conta toda a verdade a ninguém. (Este conselho vale mais que os 400 escudos que pagaram pela revista). Às vezes, nem a nós próprios. Raros são os casos onde a cumplicidade marital não é abalada por um ataque de sinceridade estupidamente confiante.
Se não dizemos a nenhuma das duas a pouca verdade contável, muito provavelmente estamos um pouco apaixonados e muito indecisos. Também existe, dentro desta alternativa, a variante de ser um grandessíssimo sacana, mas isso é mais natural em relacionamentos do tipo «escapadelas» ou «dar voltinhas». Raras vezes isso acontece dentro do sério vínculo que se estabelece com uma amante.
Se contamos alguma coisinha à nossa legítima, por mais inofensiva que possa parecer, estamos claramente a pedir-lhe por linhas tortas uma grande barraca direita.
Se informamos as duas da situação, é porque queremos que elas escolham. Prova irrefutável de cobardia ou de se querer ver livre das duas.
Ficou claro, portanto, que o controlo da informação defende o verdadeiro objectivo. Ou seja: um esquecimento, um bufo, ou um estúpido podem estragar coisas que tinham dimensões inofensivas ou, pior ainda, fazer com que alguém fique magoado. Mas esse é o pesadelo típico dos homens que tentam ter o que não lhes deixam que tenham.
Temos a certeza que uma mulher nunca poderá compreender a psicologia sexual masculina. Aliás, é sabido que o homem também não percebe lá muito bem a da mulher. Mas sabemos que a uma mulher apaixonada não lhe interessa especialmente envolver-se com um outro homem. E sabemos que curiosamente um homem pode, apesar de apaixonado, ter um desejo doido por uma segunda, terceira, quarta, etc., sem pôr em causa o amor pela primeira. Se por algum azar há uma mulher horrorizada com este conceito, pedimos desculpa, mas as coisas são como são. Voltemos ao tema.
As amantes, graças a Deus, voltaram a ser uma alternativa. Terminaram as orgias, a promiscuidade do engate indiscriminado. Agora podemos amar a nossa mulher e ter outro amor. Não maior, que isso é difícil - mas talvez, com um pouco de sorte, não muito menor.
Caro leitor, sabemos que se pergunta: «E uma vida desse tipo é coisa para quanto mais ou menos?". Caro amigo, há uma variedade quase ilimitada de modalidades. Se o seu sonho é «protegê-la» totalmente, é claro que isso lhe pode custar caro. Mas também existe o estilo independente, semi-dependente, antes pelo contrário, etc.
É evidente que o desafogo financeiro ajuda muito. Mas o que é que não se pode fazer quando se tem cacau? Algumas coisas, claro, mas nada que seja grave se se tiver um pouco de saúde e imaginação.
O que de facto acontece é que as amantes existem novamente e em força, seja qual for a classe social. Aliás, dentro das classes mais conservadoras, a alta e a baixa, nunca deixaram de existir. Só a classe média perde o prazer do clássico na sua procura de parecer alta ou ao tentar snobar as baixas. Sem esquecer o facto de que uma grande forretice abortará com certeza mais de uma potencial história de amor. Ficam na alegria efémera e auto-suficiente da escapadela ou da voltinha. Dificilmente encontraremos neles a intuição da amante, a vida paralela democraticamente partilhada, responsavelmente devota e regularmente erótica.
Aceitamos que o ponto fraco deste raciocínio é o que acontece se for ao contrário. Por exemplo: ela, a nossa, tem um amante mas continua a amar-nos apaixonadamente. Ele, o outro, é um bom amigo dela, um companheiro desinteressado e bem intencionado. Que é que se faz? Tentar perceber a relação? Ver se essa situação nos favorece? Pedir um certificado médico ao novo? '
Não. Eu mato-o e a ela dou-lhe uma sova que nunca mais se irá esquecer na vida. Estão a brincar comigo ou quê? Foda-se!
A AMANTE NA INFÂNCIA
(Dos 0 aos 10 anos)
É A MELHOR amante, a mais segura, a menos comprometida e exigente, e anima qualquer família moderna. Acima de tudo, porque ninguém acredita que uma criança com 6 anos tenha já a sua namorada de pleno direito e uma amante com quem brinca aos pais e às mães.
No entanto, sabe-se - e em alguns países, nomeadamente nos EUA, há estudos sobre a matéria - que é entre os O e os 10 anos que o conceito de «segunda mulher» se adquire se interioriza. Nessa altura, a criança não tem necessidade de mentir, uma vez que a legítima não percebe o que se passa e «a outra» ainda menos. Ele, o pequeno macho, aproveita a confusão e diverte-se.
LOCAIS DE ENCONTRO: Creches, autocarros do colégio, pátio da escola, festas de anos dos amigos.
O QUE FAZEM: Brincam.
POSSIBILIDADE DE DAR BRONCA (0/10): 1
A AMANTE COM BORBULHAS
(Dos 10 aos 20 anos)
ESTA é a fase crítica: em princípio, são dez anos de fidelidade canina e total ausência de imaginação (atenção, referimo-nos aos homens. Quanto a elas, esta fase etária é das mais perigosas...). Os problemas do jovem - seja a borbulha, a fase, dos poemas e diários, ou a mania do desporto - impedem-no de se dedicar a mais do que uma namorada de cada vez. Geralmente, a partir dos 15 anos começam a conversar, nos cafés e no Loucuras, sobre a matéria, mas sem consequências. É só garganta.
Têm-se verificado casos raros de contra-indicações, normalmente associadas ao uso concomitante de drogas, baldas às aulas e interesses de carácter menos ortodoxo (do ponto de vista sexual, claro).
LOCAIS DE ENCONTRO: Pátios dos Liceus, PGA, Zona Mais, Sudoeste, Indústria (Braga).
O QUE FAZEM: Nada. Dançam e bebem.
PROBABILIDADE DE DAR BRONCA (0/10): 9. Dá sempre. Causa directa: inexperiência.
O PRINCÍPIO DA AMANTE
(Dos 20 aos 30 anos)
ATÉ aos 30 anos, ter uma amante é não só uma excepção como uma grande aventura, rodeada de todos os perigos. É como fugir de casa aos 15 anos, tem o sabor de um fruto proibido (esta podia vir na Grande Reportagem…), e por isso mesmo tem um valor, numa escala de zero a dez, praticamente dez. A amante antes dos 30 é aquela com quem, na maioria dos casos, se chega à cama só no momento em que já se viu que está a acabar a história - ou, nos casos mais precoces, quando se descobre a tempo e horas que o primeiro casamento não é, geralmente, o último.
O resultado, na maioria dos casos estudados, é trágico: uma vez confundidos os cérebros e os corações com a chegada da nova aquisição, diz-se à legítima o que se devia dizer à amante e vice-versa, trocam-se os nomes nos mais românticos jantares e chega-se mesmo ao ponto de convidar a amante a ser amiga da amada. Catástrofe à vista.
LOCAIS DE ENCONTRO: Plateau, Kremlin, Swing, emprego de um ou de outro, bares indiscretos (Lisboa: Frágil, 3 Pastorinhos, Targus, enfim, os melhores).
O QUE FAZEM: bebem sem moderação. Pontualmente têm-se registado casos de sexo. É frequente discutirem toda a noite.
PROBABILIDADE DE DAR BRONCA (0/10): 8.
A AMANTE ADULTA
(Dos 30 aos 40)
Aqui é que a coisa começa a dar certa: crescidos, já com um ou dois casamentos em cima, os homens aperfeiçoam uma técnica perfeita de acompanhamento de amantes e amadas. O processo mais escrupuloso - e aquele que aconselhamos - é esclarecer de imediato tudo com a amante: explicar que somos casados, que gostamos da nossa mulher, que não desejamos deixá-la, mas que temos um coração do tamanho do Empire State Building, onde cabem mais moças interessantes e bonitas. Se ela quer, óptimo. Se não quer, há mais quem queira.
Nesta idade, ter uma amante já não é uma aventura mas um dos primeiros sinais de maturidade, imediatamente a seguir à barriga (nessa altura ainda chamada de barriguinha), ao automóvel de cilindrada superior a 1400 C.C., e ao cartão de crédito cheio de contas de restaurante.
LOCAIS DE ENCONTRO: dentro do carro, hotéis discretos, bares que abrem muito cedo (por exemplo, O Pavilhão Chinês).
O QUE FAZEM: almoçam e jantam, sexo.
PROBABILIDADE DE DAR BRONCA (0/10): 4.
A AMANTE MADURA
(Dos 40 aos 50)
É a idade de ouro da amante 'agora recuperada para a moda sexual do universo pós-SIDA. Momento de profissionalismo de fino recorte, a amante depois dos 40 tem a serenidade e a maturidade que falta às restantes faixas etárias. É geralmente uma mulher feliz com a sua vida dupla, que cultiva com prazer as virtudes do seu segundo homem. Ele, pelo seu lado, tem na amante a última prova de uma virilidade que a barriga, já proeminente, põe em causa. É o casal feliz. Ninguém tem já paciência, nesta idade, para chatear o outro.
No fundo, os amantes desta era são bons amigos que se entendem para lá do relacionamento profissional ou, muitas vezes, de amizade entre casais. A amante perfeita chega aos 40, não tenham dúvidas.
LOCAIS DE ENCONTRO: em todo o lado.
O QUE FAZEM: o que têm a fazer.
PROBABILIDADE DE DAR BROCNA (0/10): O.
AMANTE ATÉ À MORTE
(Dos 50 para a frente)
São mais frequentes os deslizes, as faltas de memória, a factura do hotel que vai no bolso da camisa para casa e a legítima amada descobre. Mesmo assim, é uma idade de bronze dos amantes: sem a preocupação fundamental do sexo, esta fase permite--nos recuperar o gosto pela conversa, pelo presente de charme, até pela surpresa de uma virilidade masculina que tem o seu encanto.
Depois dos 50, ter uma amante é como ter um carro de corrida: convém pôr o motor a trabalhar de vez em quando, é preciso cuidar deste valor, mas pelo prazer de o manter, jamais pela vontade de acelerar. Esta é a idade do luxo e do prazer, na vida como no sexo.
LOCAIS DE ENCONTRO: Restaurantes de luxo, bares de hotel.
O QUE FAZEM: recordam, conversam e surpreendem--se mutuamente.
PROBABILIDADE DE DAR BRONCA: (0/10): 3 (às vezes, a memória falha...)."


in K, nº17, Fevereiro de 1992

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