quinta-feira, dezembro 18, 2003

Porque não, Maria?

Porque não, Maria?


- Maria! Pára…
- Porquê?
Esta pergunta tem direitos de autor? Deveria pertencer à Maria! Na boca dela a palavra ganha asas. É como se ninguém tivesse o dom de a pronunciar, de lhe dar todos os sentidos que ela lhe dá! É uma rapariga esquisita! Foda-se! O que é que se lhe responde? Ninguém lhe pode responder… logo viria outra pergunta! A Maria vive em completa interrogação. Maria no Pais das Perguntas… dava uma bela estória. Quase tão bela como ELA.
Maria não gosta que gostem dela. Aborrece-a e deixa-a tremendamente chateada. Acho que nunca quis nascer, para poder fazer parte dum mundo paralelo de observadores, género anjos sem tempo e espaço. No entanto, todos começam, mais cedo ou mais tarde por querer ser amigos dela e caír-lhe no goto. Todos querem ser detentores de uma paternidade sem compromisso só para curtir as ondas e paranóias dela. Não é uma pessoa simpática! Nem pouco mais ou menos! Mas não consegue deixar escondida a teimosia de gostar dos outros. Às vezes dedica-se a jogos de arranjos carnais, só para conseguir a afastar o seu sentir do corpo que a aprisiona.
Maria não tem puto de cuidado com ela, nem com o seu corpo. Faço a distinção porque o cú nada tem a ver com as calças… peça de vestuário preferida dela! É muito masculina a nossa pequena e engraçada Maria. Quando algum insensato faz um reparo à sua faceta feminina, ela imediatamente veste a pele do menino mal comportado, de joelhos arranhados e cicatrizes troféus. Ela adora cicatrizes, diz que são a única prova da sua existência real. O risco tem destas coisas… dá prazer mas não se consegue apagar das raízes da nossa história.
O maior desejo da Maria é conseguir ser uma grande cabra! Tem feito grandes progressos nessa área, a pequena! Já começou a aprender a ser má, estúpida, bruta e insensível. Bem…insénsivel é algo que lhe é mais difícil ser porque os sentimentos são o sangue que lhe corre nas veias, que provavelmente é amarelo devido á quantidade de álcool que ingere e porque esta é a sua cor favorita, no entanto também lhe fica bem o preto. Condiz com o olhar triste e fundo que carrega desde que nasceu.
Voltemos ao ínicio da nossa história, ou melhor da cena da Maria… Ela está prestes a ter um ataque de raiva. As lágrimas escorrem pela cara com tanta força, que até parece uma enchurrada nos Açores! Está sozinha no meio de uma rua com alguém agarrar-lhe o braço, embora ache sinceramente que ela não quer que a larguem! A estúpida não consegue admitir que precisa de sentir ligada a alguém, independentemente dos olhos ou razões de quem quer que seja! Porque não ele? Quando um dia teve o previlégio de quase a conhecer ( quase porque ninguém a consegue conhecer totalmente. Ela baralha-nos o sistema de tal maneira que quando achamos que já lhe conhecemos alguns hábitos, imediatamente se torna uma desconhecida. Ou desaparece. Depende do olhar triste que está à sua frente), começou a querer gostar dela. Sem grande esforço, claro. A vida não está para amor, mais para amores, no plural que é na diversidade que está o ganho.
A Maria está esta bateria de nervos porque não quer partir, mas não se consegue convencer a ficar. Já fumou uns bons 10 charros, para tentar relaxar, mas é lógico que uma miúda destas, que não consegue sequer dormir, não relaxa por dá cá aquela palha! Deixa a rapariga ir embora! Cága nela, porra! A gaja é parva e tem consciência disso! Tudo por causa de uma criança?! Se ela quiser até eu lhe faço um filho! Os putos são todos iguais! Mas não. Para ela tinha que ser aquele, aquele abandonado em todas as portas, aquele feio, burro, aquele que ninguém quis. Nem mesmo a vida.
Sabem qual é o maior problema dela? Está apaixonada! Mais uma vez pela pessoa errada! É cada tiro cada melro, cada cavadela cada minhoca. Todos os seus amigos a avisaram para fugir de homens com um olhar triste, carregados de traumas e enredos sem finais felizes. Mas não…ela acha que é a madre Teresa dos homens tristes, frustrados, carentes… Nós, os amigos dela, os únicos a quem ela permite uma aproximação, a quem dá o benefício de aprender com ela estamos fartos destas histórias! Estamos a pensar em fazer uma clonagem do homem perfeito. Contudo acho que ela não iria gostar porque não gosta de perfeição.
- Maria! Só mais uma vez, vá lá ?! Deixa-me ficar na tua história! Não sejas uma puta…estás sempre a foder-me a paciência com o teu individualismo. Agora que começava a achar piada ao acordar contigo, ao viver rodeado de putos e animais, decides que estou demasiado perto…és completamente parva!
- Porquê? Eu avisei-te que só cá estava enquanto tu não me quisesses…enquanto fosse só o gozo pelo gozo. Sabes que sou assim…ou talvez não…
- Essa tua mania de ser politicamente correcta até irrita! Eu quero ficar contigo por inteiro, com qualidades e tudo…não és tão cabra quanto pensas! Tanta inteligência desperdiçada…
- Não! Não me podes dar aquilo que não tens!
- O que é que eu não tenho? Juízo? Isso já eu percebi. Para estar aqui, debaixo da chuva com este frio a aturar uma alma penada com medo de tentar ser feliz…é preciso ser-se doido!
- As tuas certezas! Não consegues partilhar os teus infernos comigo, és demasiado bonzinho, perfeito! Logo quando me começavas a dar prazer resolves-te começar a preocupar-te comigo!
- É de vez?
- Até uma próxima…quem sabe? O sexo contigo era bom. Foi uma pena…

Esta rapariga dá-me cabo do tarolo! Eu que até gostava dela… Acha que é dona e senhora do mundo dela, não precisa de ninguém! Ainda bem ! Eu precisava das massagens e dos carinhos dela… e do seu sorriso condenado, também.
A Maria está a tentar esquecer que vai morrer! Ainda não vos tinha dito que ela tinha os dias contados? Quando acabar de provar o que tem para provar, ela vai morrer … provávelmente com 200 anos, mas esse é o problema da Maria! Quer morrer sozinha. Diz que não quer dar trabalho a ninguém! Mas eu conheço-a! Quer ela queira quer não, sou amigo dela … sei tudo sobre ela. Sei que sempre quiz ter uma tartaruga, que chucha no dedo quando dorme, que gostava de ter a maior colecção de chapéus do mundo, que adora cantar… que é fanática por … Não posso contar. Afinal de contas sou o melhor amigo dela e um amigo não revela um segredo tão intímo!
Que idade tem a Maria? Não sabem? Eu também não! A Maria não festeja o seu aniversário! Tem a idade que cada um de nós mais gosta…
Sabem como me tornei amigo dela? Se pedirem com jeitinho eu conto. Está bem. Tudo começou um dia em que tropecei nela. A sério.. no sentido literal do termo. A Maria é muito distraída… eu ia apanhar o autocarro e tropecei nas pernas dela. Ela olhou- me com aqueles olhos feios e maus e eu senti-me morto! Ajudou-me a levantar e quando olhei com atenção vi um mistério tão grande como o livro que ela agarrava com toda a força, que até parecia fazer parte do seu corpo… Perguntei-lhe se a tinha magoado e ela desatou a rir. Disse que nem se tinha apercebido, que tinha sentido apenas uma lufada de vento a passar. Eu! Uma lufada de vento, com estes pés de chumbo! Deixei-me perder o autocarro só para curtir a indiferença dela. De repente ela levantou -se e entrou no autocarro a correr, esquecendo-se do livro. Ainda tentei apanhar o autocarro, mas era tarde de mais! Morrendo de curiosidade abri o livro. Uma onda de mau estar invadiu-me de imediato! Era como se pressentisse que a partir daquele momento já não ia consegui fugir dela, ou deixá-la fugir de mim…
Li o primeiro parágrafo e fiquei a perceber tudo. Partilho convosco, só para que possam ter a sensação que é entrar um bocado na sua vida.Só até ao umbral da porta e sem direito a tocar á campaínha.Lia-se o seguinte…

“ Cresci ao ver o mar ao longe. Havia de chegar lá.Sabia-o. Agarrar aquele lençol azul, dár-lhe um nó e por a trouxa ás costas.A minha estória da vida seria um testamento. Legava tudo o que tinha de mim. Os meus medos, as minhas certezas, os meus sorrisos, o meu corpo, o meu saber, os meus valores, os meus segredos…Só não legava os meus sonhos.Esses são o mastro que me permite navegar vida fora. Traçava o meu destino a picotado para ser mais fácil recortár. Mas… apareces-te tu e o outro e mais algum e me fui dando a todos, independentemente do sexo, idade ou credo. A todos os que me quiseram. Deixei todos amar-me! Mesmo os aprendizes desse ofício. Desenrolei o rosário dos sonhos e fui Santa, mãe , amiga, irmã, amante…e então deixei de ser eu para ser a amostra gratuita de tudo o que nunca quis ser !”

Perceberam alguma coisa? Eu também não! Aí é que está o problema. Ninguém consegue perceber e fica-se a sismar nisto… A Maria gosta que falem da sua pessoa. Mesmo que só falem menos bem. Diz que é o único motivo porque se dá ao trabalho de chatear alguém.
Isto de se falar da vida dos outros é complicado.Sinto-me um cuscovilheiro, mas os fins justificam os meios e se eu não contar estas histórias, nunca ninguém ficará a saber a pouca certeza da Maria. Ás vezes questiono-me sobre as suas origens. Se eu fosse o argumentista atribuía a sua filiação a um filósofo saltimbanco e a uma mulher da vida. Talvez assim se tornasse mais fácil perceber porque é tão esguia esta menina. Mas não. A Maria nasceu de uma paixão teimosa em luta pela liberdade e democracia. Nasceu para provar a igualdade dos homens e das mulheres, para limpar um nome, para justificar uma ligação que á priori não fazia muito sentido. Foi concebida já sem pecado nun cinema parisience, a luz de uma comédia. Talvez por isso ela se ria tanto. Mata por uma boa gargalhada. Quando era bébe era muito limpinha só fazia chichi na roupa quando não conseguia parar de rir. Consta que era uma criança bonita, mas demasiado observadora. Tinha um olhar devastador. Tudo nas suas mãos ganhava utilidades diferentes. Um garfo servia para medir a temperatura das tomadas eléctricas, um animal para dissecar…
- Rodrigo! Anda cá! Deixa a porcaria da cama. Lá porque ais morrer, não significa que tenhas que estar já em posição definitiva. Está um fim de tarde lindo…Veste-te e vamos curtir a cidade de regresso a casa. Até te pago um vinho branco para ter mais ar de filme americano.
- És uma chata! Deixa-me em paz! Já te disse que não preciso da tua caridade animada! Vou morrer quando bem me apetecer, e hoje não me parece um mau dia!
- não te faltava mais nada! Logo hoje que eu vou saír com o Pedro. Deves estar é parvo! Pensas que és o que? Um mártir? A culpa é tua. Ninguém te mandou andares brincar aos médicos com açucar confeiteiro fora do prazo de validade! Tu e a tua mania de seres um punk rural!
O Rodrigo foi o único homem que Maria amou. Ou melhor, quis. Teria até sido perfeito se ele não tivesse aqueles olhos pretos tão tristes, que lhe davam tudo o que ela queria. Adorava vê-los juntos! Queriam fugir para os pirinéus e ficar a vida toda sozinhos, só com neve para poderem brincar á vontade. Conheceram-se numa noite de neve em que a Maria, que nunca dorme estava a fazer uma escultura pós moderna com aquele material tão éfemero. Rodrigo, podre de bêbado ofereceu-lhe um cigarro e deixou-se ficar a olhar para aquele boneco tão perfeito…a Maria, claro! Meteu conversa com ela e pediu-lhe que o deixa-se fazer um desenho dela. Ela acedeu contrariada, só para não ter que fazer conversa. A verdade é que duas horas depois, a folha continuava virgem. Olharam-se e foram cada um para seu lado, sem sequer se despedirem. A nossa heroína, que não era a dele confessou-me um dia que o amou pelo silêncio. Por ter tomado consciência que era tudo demasiado perfeito para ser verdade.
Quando ele morreu de Sida, perguntei-lhe se sentira algum medo.
- Não. Talvez… medo de nunca mais encontrar uns olhos pretos que me façam sentir mulher. Medo de não ser capaz de brincar com neve!
A minha intenção era saber se não tinha receio de ter sido contagiada pelo virús. A verdade é que segundo ela nunca fizeram amor, simplesmente isso não fazia parte da maneira deles de amar. Maria tinha medo de se perder dentro dele caso se entregasse aos prazeres da noite. Para ser perfeito tinha que ser diferente! Continuaram juntos, embora tivessem relações paralelas.
Sempre achei que era uma sacanagem. Para os outros homens.Como eu ! Sim…também eu passei pela ternura dela, por cinco dias apenas … aqueles em que me deixei dissecar pelos seus truques e em que teria dado tudo caso mo pedisse. Mas a Maria não pede nada! Chamava-me puto, embora eu tivesse idade para ser pai dela. Ela era o meu girasol, porque está constantemente a mudar de direcção. Ás vezes esqueço-me que ela já não está aqui comigo. O cheiro doce ficou.
Começo-me a baralhar nesta história, que é já complicada por inerência á personagem. Lembrei-me agora que ainda não vos mostrei a pequena. É uma mulher portátil, morena com uns grandes olhos castanhos inatingivéis. Dava tudo para os fazer brilhar, mas …
Tornei-me a sua almofada tarapêutica no dia da morte do Rodrigo. Estavamos no cemitêrio e ela nada dizia. Com um vestido comprido de malmequeres, ela tremia e continha as lágrimas com tanta força que pensei que explodisse. Pôs-lhe o braço sobre o ombro e pela primeira vez deixou-se ficar.
- Chora, vai-te aliviar a dor.
- Não lhe vou dar esse prazer! Nunca mais se iria parar de rir por me ver assumir a falta que me faz.
Começou a chover e a água que escorria sobre os seus cabelos tornavam-a a mulher mais bela que alguma vez toquei. Permaneceu imóvel enquanto o padre despachava o funerál, que foi o mais curto da história. Mria aproximou-se do caixão, no momento em que o iam fechar e disse:
- Obrigado! Sempre me ofereces-te as minhas coisas preferidas. Ainda agora aí chegas-te e já te tornas-te íntimo do São Pedro. Diverte-te!
Virou as costas e nunca mais falou sobre esse dia. Descobrir momentos mais tarde que ela o tinha ajudado a suícidar.Só porque não conseguia partilhar a dor dele, e ela detesta pessoas egoístas. Aproveitei a situação para me aproximar dela. Consegui que se deixa-se levar, sem sequer interferir e tive o previlégio de a ouvir dizer que precisava de mim, que queria um abraço, apertado para ter a certeza que ainda estava viva…O tempo passou depressa demais! Tudo nasce com o tempo. O tempo nasce connosco. Passamos o tempo a pensar quanto tempo temos para viver, que quase esquecemos o que fazer com cada pedaço de tempo. O tempo é como um bolo que se reparte por cada um. O tempo é menos tempo quando o dedicamos a quem gostamos, e assim mais tempo sobra para nós, de todo o que nos dão ao nascer.
Ás vezes, quase todas as vezes acho que tenho demasiado tempo para mim. Começo por dividi-lo em pequenas coisas. Amar! Mas.. o amor nunca dura o tempo suficiente. O outro nunca tem tempo e sem ele o tempo não passa: os minutos em que amamos são feitos de outra qualidade de tempo! De um tempo veloz. Feito em vários tempos, com tempos desencontrados. Um chega, o outro parte! São horas! De calcinar e assassinar o tempo, esse senhor feudal. Devemos escrever Tempo com Maiúsculas ou minúsculas? Com Maiúsculas se for bom tempo, minúsculas se for perda de tempo!
Começo a achar que é tempo de parar com estas divagações filosóficas, que não são o meu forte. Já não vejo a minha pequena corça à imenso tempo… tanto que as saudades assustam, como se soubesse que não mais a voltarei a ver! A verdade é que tudo para ela é definitivo, cada entrega é a última, cada adeus é um desespero final. Maria nunca regressa e quando por acaso volta atrás já o faz com uma máscara diferente. Teria dado uma boa actriz, se não tivesse medo de ser vista. A verdade é que há sua passagem toda a gente a vê.
Adora sair á noite, sempre sozinha. Não pensem que vai para o engate, ela detesta esquemas. Simplesmente diverte-se a olhar para o brilho noctívago do rosto daqueles que se passeiam pelas festas e bares. Foi numa dessas histórias que Maria conheceu Jimmy, a personagem que está prestes a mudar a sua vida ou a acabar com ela. Um dia, numa das suas deambulações bem acompanhadas ( dizia sempre que a sua melhor companhia era ela própria. Tanta presunção! ), cruzou um olhar com alguém que simplesmente não olhava. Tinha os olhos presos algures no vazio, com uma melancolia inquietante. Ela, que sempre agarrou a vida pelos tomates, sentiu-se inútil e fugiu. Escreveu todo aquele olhar e tristeza num caderno para não ter que se esforçar a lembrá-lo. Sim, ela queria relembrá-lo sempre que o sono demorasse a chegar, que a cama vazia se tornasse o peso no fim da corda.
Num dia chuvoso de Novembro, Maria passeava enquanto comia castanhas pelo eterno cais. Gaivotas farejavam o lixo da praia, combatendo o silêncio. Autênticas crianças a fazer birra. Sentiu um calor a subir, uma inquietação que lhe gelava as pernas e deixou cair o corpo sobre um capôt, que se atravessara no seu caminho. Abriu os grandes olhos sobre uma criança assustada no peito da mãe. Mas o rubor da sua face era causado por um outro olhar. A certeza de ter sido reconhecida. A confirmação daquilo que escrevera. O mesmo homem, Jimmy, o mesmo olhar.
- Não sabe ver por onde anda? O semâfero verde é para os carros! Deve ser daltónica!
- Vá para o raio que o parta, seu yuppie de meia tigela!
Começa bem a história, não é? Mas vai melhorar… Maria magoou-se no pé e as dores começaram a aparecer. Jimmy viu-a! Pediu desculpa com todas as justificações necessárias e ofereceu-se para a levar ao hospital.
Deixe-me ajudá-la, por favor!? Eu sou veterinário, posso ajudá-la.
- Eu não sou uma vaca, caso não tenha reparado! Eu apanho um taxi. Dispenso a sua ajuda. A quem devo mandar a conta ?
- Pode mandá-la para o meu consultório. Aqui tem o cartão.
Maria apanha o primeiro taxi e arranca.
- Apareça lá quando tiver algum problema com os chifres! Eu dou-lhe uma consulta grátis- disse a figura, entredentes.
Aqui está uma resposta bem dada, sim senhor! A maria merece ouvir isto e bem pior. Com aquele ar de menina solitária e bem decidida! Quantas vezes me apeteceu agarra-la e dar-lhe duas palmadas no rabo. Só para permitir que ela admitisse que precisava de alguém, que gostava que se preocupassem com ela. Sabia-o tão bem… era como se só a mim permitisse que soubesse. Maria raramente faz elogios. Diz que as pessoas sabem o que ela gosta e admira, só de olharem nos seus olhos. Um dia disse-me:
- Se tivesses dezoito anos e eu dezasseis, terias sido perfeito para eu me apaixonar, assim, por uma noite de verão ou uma festa de Avante. O típico menino sensível, curioso, revolucionário, sonhador, poeta com uma boa pitada de humor e descaramento!
Continuo a achar que teria sido perfeito se eu tivesse tido disponibilidade. A culpa era da vida que me colocava pela frente tantas oportunidades, tantas mulheres. A maria deixava tudo em pantanas à sua passagem. Nem imaginam como ela deixava a minha casa, sempre que lá ficava! Adorava comer e deixava a casa cheia de pipocas, mexia nas minhas camisas, nos meus livros e depois deitava-se, linda…, e assumindo os seus óculos, lia atentamente enquanto fazia perguntas sem parar, com cara e corpo de menina de dez anos, curiosa até morrer! O amor é lindo! O destino é destino, fartei-me de lhe dizer…A vida é uma incógnita a cada esquina de um minuto!
Um dia passei-me! No dia do seu hipotético aniversário, comprei-lhe uma prenda. Bem…não era bem uma prenda, se o era era para mim, devo confessar. Comprei-lhe umas algemas e antes mesmo que pudesse dizer alguma coisa algemei-a. Haviam de ter visto a sua cara de parva, pior um pouco quando me viu deitar uma chave fora. Disse-lhe:
- Agora estás presa a mim. Por momentos serás minha ,sabes que estarei sempre na tua pouca vergonha de vida.
-Deixa de ser estúpido e vai buscar a puta da chave!
- Deitei-a fora, não viste?
Ficou doida! Acho que aquilo a comoveu, ou excitou…não consegui distinguir, ela fica doida quando se sente, viva e querida mas também quando a tratam mal. Aí Jesus, apaga a luz! Um dia que tenha uma atitude com nexo, vou a Fátima a pé ou de joelhos. Bem posso prometer, sei que será difícil acontecer. A verdade é que me agarrou, mordeu-me e amou-me ali com toda a sua essência, entregando-se totalmente àquilo que sempre quis…calor!
Jimmy, ficou entregue ás curiosidades intrínsecas dela. E ela não resistiu. Mais uma vez. Vestiu-se de alma pura, usando aquele truque da mulher segura e decidida, que só perde a paciência quando o rei faz anos; e foi à procura dele. As fracas desculpas dela convenceram quem queria ser convencido. Tornaram-se amigos inseparáveis, que partilhavam a mesma cama de tempos a tempos, só porque era o local mais calmo para conversar sem se fazerem muitas perguntas, ou melhor, por não lhe perguntar nada que ela pudesse querer responder. Foderam-se um ao outro, no caseiro sentido que habitualmente damos à expressão, mas ultrapassando esse pequeno limite. Jimmy teve contudo o mérito de lhe devolver um pouco de si, um pouco do seu sorriso condenado ao mesmo tempo que foi o culpado pela certeza da mortalidade dela. Não se irritem que eu explico!
Eles davam grandes passeios pelo campo e deliciavam-se com pequenos momentos de normalidade, de jantares sem velas, com filmes de série B, e momentos de sossego que valem ouro. Uma manhã a doida acordou cheia de força e vontade de correr junto ás margens daquele rio, que sendo igual a tantos outros lhe devolvia o cheiro, o brilho a luz da sua adolescência .As pernas estavam enferrujadas de tanta “ quality time”, de tanto comodismo

Às vezes gostava de poder reescrever a história de algumas pessoas…como tu! Se pudesse dáva-te o mundo num abraço, um sorriso inocente, uma alma quente, a certeza de ser feliz.


Esta é um estória que vou escrevendo há anos...se alguem quiser continuar, poderemos escrever um livro a muitas maõs e ( quem sabe) pés...

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